Nos dias 27 e 28 de maio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) sediou o Seminário Internacional da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD): a caminho da efetividade, coordenado pelo ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cueva e pelos professores Danilo Doneda, do Instituto Brasiliense de Direito Público, e Laura Schertel, da Universidade de Brasília (UnB). As integrantes do Torreão Braz Advogados Gabriela Gonçalves Teixeira e Priscila Maria Menezes de Araújo acompanharam as exposições.
O evento contou com a presença dos presidentes do Superior Tribunal de Justiça, Min. João Otávio de Noronha, e do Supremo Tribunal Federal, Min. Dias Toffoli, que ressaltou a importância da proteção à privacidade; à liberdade de expressão, informação e comunicação; à inviolabilidade da vida íntima e privada do indivíduo; e à inovação tecnológica.
Ao todo, foram realizados oito painéis, que trataram da proteção de dados como um direito fundamental; a harmonia existente entre a LGPD (Lei n. 13.709/2018) e as demais normas presentes no ordenamento; os dilemas entre o consentimento e o legítimo interesse; a segurança da informação, o privacy by design e os relatórios de impacto; a economia digital e a competitividade; o enforcement e o modelo institucional para a efetividade da proteção de dados; os direitos dos titulares de dados no âmbito das decisões automatizadas e o direito ao esquecimento na internet.
Dentre os expositores, o professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), destacou as mudanças tecnológicas, bem como seus reflexos para os indivíduos e a posição do Judiciário, que deverá lidar com os novos insumos digitais.
Laura Schertel frisou a dificuldade de se aprovar a LGPD e o caminho a ser percorrido para a implementação da lei. Também destacou um dos conceitos centrais elencados pela Lei n. 13.709/2018, a autodeterminação informativa, termo inaugurado pela Suprema Corte Alemã em 1983.
A gerente de políticas públicas e privacidade do Facebook Brasil, Nathalie Gazzaneo, ressaltou a importância do estabelecimento de uma regra de responsabilidade que crie um mecanismo de incentivo ao respeito e às boas práticas no âmbito de toda a cadeia de tratamento de dados pessoais.
Andreia Molinari Saad, gerente de assuntos regulatórios do Grupo Globo, destacou os investimentos em recursos financeiros e humanos para a implementação da LGPD, os riscos da não adequação à lei, tais como advertências, multas milionárias e danos graves à reputação das empresas.
“A LGPD exige uma verdadeira revolução cultural dentro da sua organização, uma nova forma de pensar a privacidade, que deve estar no momento 1 de qualquer discussão de um novo serviço ou produto. Esse movimento exige dinheiro, tempo e recursos humanos importantes. Quem não estiver disposto a fazer esse investimento de recursos, certamente vai estar exposto a riscos importantes”, afirmou Molinari.
O diretor jurídico do Google Brasil, Daniel Arbix, salientou a importância da adequação à LGPD antes mesmo do lançamento do produto ou serviço, além da avaliação do nível de risco para o tratamento de dados pessoais. Ressaltou, ainda, a relevância de se estabelecer a educação e a cultura internas da empresa acerca do tema por meio de diálogos permanentes (treinamentos gerais e customizados, grupos de trabalho interdisciplinares, intercâmbios com o meio acadêmico, feedback dos usuários e diálogos com reguladores especializados, outras empresas e os agentes públicos) que provoquem reflexões sobre o aprimoramento de produtos e serviços sob o prisma da privacidade.
Sérgio Paulo Gallindo, presidente executivo da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação, Brasscom, composta por 68 grupos empresariais, reforçou que o crescimento do fluxo de dados entre 2006 e 2014 gerou um aumento de 10% no PIB global, isto é, 2,8 trilhões de dólares. Além disso, destacou as perspectivas de investimentos entre 2017 e 2022 no que diz respeito às tecnologias de transformação digitais, que tratam diretamente do fluxo de dados pessoais.
O diretor da Unidade Internacional de Proteção de Fluxos de Dados da Comissão Europeia (DG Justiça e Consumidores), Bruno Gencarelli, afirmou que a LGPD facilita o fluxo de dados e comércio entre a União Europeia e o Brasil, pois fortalece a condição dos cidadãos em posições de maior controle para o tratamento dos seus dados pessoais. Ressaltou, também, que novos modelos de negócio, como startups, já iniciaram os investimentos no que diz respeito à proteção de dados.
Ana Frazão, advogada e professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, UnB, realçou a falta de transparência no tratamento de dados pessoais, a problemática da classificação e padronização arbitrária desses dados e alguns dos direitos relevantes introduzidos pela Lei n. 13.709/2018. São eles, por exemplo, o direito de acesso à informação, de oposição às decisões automatizadas, de resposta, de revisão e de petição à Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
O relator da Medida Provisória n. 869/2018, o deputado Orlando Silva, também destacou a importância da Proposta de Emenda Constitucional n. 17/2019, que visa a garantir a proteção de dados pessoais como um direito fundamental a ser inserido no art. 5o da Constituição da República.
Ressaltou, por fim, o protagonismo que deverá ser exercido pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que possui natureza híbrida segundo a MP n. 869/2018, e que deverá ter autonomia decisória, capacidade de gestão, poder normativo, staff especializado e eclético. A medida provisória em questão foi aprovada, nesta quarta-feira (29), pelo Senado Federal, que encaminhará o texto à Presidência da República para sanção ou veto.
O evento é um marco histórico para a proteção de dados no Brasil, tema que deverá fomentar cada vez mais discussões, tendo em vista a proximidade da entrada da LGPD em vigor, em agosto de 2020, caso a MP n. 869/2018 seja sancionada. Isso fará com que as empresas, o Poder Público e a própria sociedade se adequem às novas diretrizes cunhadas pela Lei n. 13.709/2018.